entrevista
Paulo Henrique
Quem és tu?
- Chamo-me Paulo, Paulo Henrique, nasci em Angola, (…) 0:22 tive vivências curiosas no início por questões de geografia, como fazer anos em Julho e ser inverno, chegar a Portugal e o inverno ser em Dezembro e Julho ser o verão. Curioso, explorador, curioso com as pessoas, curioso com instrumentos, linguagens, suportes, o corpo também como suporte.
De que forma de envolveste com a cidade?
- O tema da cidade foi proposto, depois foi uma questão do binómio do espaço que eu tinha que apresentar, o projecto que está inserido na cidade e no espaço da cidade, agarrei, pareceu-me evidente no espaço de braga. O que eu tinha falado ontem, de um memória colectiva que está muito ligada as imagens que nos vemos nas igrejas e a quantidade de igrejas que existe no espaço arquitectónico de braga, esse serviu de ponto de partida imagístico a ser integrado no projecto e depois a questão dos percursos, os vares altares, as várias igrejas, criar várias estações, isso talvez foi mudado um bocado pela cidade, e depois aqui também no espaço, a questão de ter este espaço. Pronto, a cidade também como um corpo vivo com os seus próprios rituais impostos pelo facto de braga ser uma cidade católica, se calhar estou a dizer disparate, porque se calhar é a minha visão, para mim parece muito marcado de certa forma pela questão de haver imensas igrejas e imensas capelas, e isso acho que foi fulcral no entendimento depois para o avanço do projecto aqui.
O que te surpreendeu mais?
- As pequenas nuances que tu vais encontrando a medida que vais avançando o projecto e as possíveis ligações entre o ponto, que foi o teu ponto de partida e as coisas vão surgindo devido à maneira que transpuseste os elementos de partida em um novo espaço e como é que as coisas começam a ter uma entidade outra, diferenciada da entidade que foi o impulso inicial, e essa segunda entidade acaba por obrigar-te a criar uma terceira entidade, uma terceira figura que depois no final com a apresentação do trabalho, eu acho que depois quem recebe o trabalho ainda vai criar um outro entendimento, uma outra entidade destas em desdobramento de todas essas entidades, desde o seu ponto inicial de partida até o seu ponto final que fica sempre em aberto, eu acho.
Como é se amplia a experiência para um corpo que dança?
- Um corpo presente no espaço por si já diz muita coisa porque tens a questão da idade, tens a questão do sexo, tens imensas questões socio culturais que estão ligadas a um corpo imediatamente antes dele se mexer e isso interessa mais do que o corpo a mexer, portanto, o facto de uma pessoa ser velha ou ser nova ou ser baixa, alta, esse tipo de componentes interessa mais, o movimento para mim é uma coisa que vem depois. É mais importante para mim o espaço onde o corpo existe, porque eu acho que o espaço vai fazer com que tu te movas ou que tudo funcione.
Eu que tive num espaço uma semana a trabalhar e uma pessoa que vem do espaço exterior e que chega ao meu encontro e eu partilho um espaço temporal espacial que é completamente alheio, pra já é uma linguagem diferente, não estávamos a falar, não estamos a conversar, há outros elementos sonoros, visuais, portanto, nesse sentido já estás a ampliar a sua percepção visual, a sua percepção sonora. Eu estou a dividi-las assim mas eu acho que depois eles estão naturalmente juntos mas são ampliados porque tu reconheces um corpo, um corpo no espaço, mas esse corpo no espaço não está a ser representado como no dia-a-dia que nos temos numa cidade. Apesar de tu saberes que o espaço de partida talvez foi a cidade e que as pessoas que venham partilhar entendam e saibam que há essa temática, mas depois depende do percurso pessoal de cada um, dos conhecimentos que cada um tem, das experiências pessoais que cada um tem e mesmo cheiros, eu se calhar penso que o cheiro para mim é uma coisa e para ti é outra.
Sim, eu acho que nós permitimos às pessoas várias propostas de materiais onde o corpo está presente, que as pessoas podem perceber que está ou não ligado a cidade. Ontem por exemplo eu vi um texto em vinil que é “falar explícito”, que era a cidade, a fronteira, são palavras, um texto, imagina naquele caso ser de um gira-disco, as pessoas num contexto, ouve coisas que aconteceram antes, ouve coisas que aconteceram depois e depois fica a cada um nesse momento de “ampliar”, esse momento actual, neste caso o texto que foi ouvido e a experiência que cada um tem com o espaço- cidade, poesia e com o que foi proposto anteriormente.
A escrita contribui para revelar o teu processo de criação?
A escrita para mim é importante em termos de ter uma cartografia na qual eu me apoiar, para não estar tudo num espaço interior, eu preciso de visualizar, de perceber, de anotar, agora… as pessoas que vêm de fora, se elas tiverem um percurso de estudar de facto o trabalho da pessoa e tiverem acesso a esse material, acho que vai alargar, mas depende se a pessoa tem interesse nisso ou não. Depois eu acho que factualmente o falar é capaz de ser mais imediato, as notas de projecto, pequenas ideias direccionais do que queres fazer ou do que encontraste, que, quem for exterior ao projecto, que for ver aquilo não perceba nada, a não ser que eu esteja presente e explique. As vezes são desenhos, as vezes são sub-notas de algo principal ou então é um núcleo onde tens pequenas coisas que saem e tu preenches porque tu achas que estão associadas, por vezes nem é porque as vais utilizar ou fazem parte, é mais para dar a pessoa que é o “performer”, no meu caso, de dar uma vivência mais sincera e mais verdadeira, porque tu sabes que chegaste àquele ponto que tu anotaste e que é importante para ti mas que se calhar quando estás a interpretar nem tas a pensar nisso mas tu sabes que estão lá, faz parte, não sei como ei de explicar isto.
Que livros foram importantes para ti?
- Não tenho actor preferido, não tenho música preferida, gosto de poesia, gosto de Fernando pessoa, gosto de Herberto Hélder, depois escritores, obras, isso vai no sentido do teatro, nunca me interessou particularmente. Sou uma pessoa mais ligada ao visual, a questão visual do que a questão de escrita de outros autores. Depois, pessoalmente, gosto de escrever, gosto de fazer notas e gosto de dissertar mas não tenho nada que te possa dizer que o facto de ter lido esta obra ou aquela tenha influenciado mas tenho conhecimentos de vários estilos de escrita mas isto também é mais ligado a música porque os movimentos acontecem tanto na literatura como na música e depois talvez na dança, um bocado em paralelo como “(….)” 20:50 começou a fazer a música com cortes e a juntar e fazer colagens. Tivemos isso na escrita depois passou para a pintura, portanto são movimentos que se vão, dos quais eu não faço parte porque eu vivo o agora, não me quero influenciar especificamente de nada do passado. Tenho conhecimento de algumas obras mas não me diz rigorosamente nada, estou mais ligado a criar qualquer coisa que não existe, a inventar ou a procurar do que propriamente me apoiar. Tu teres por exemplo de fazer um filme sobre “Titanic” ou fazer uma obra sobre D.Sebastião que desapareceu, quer dizer, interessa-me o facto de um corpo desaparece, como é que tu podes tratar a questão da ausência mas não vou fazer um trabalho sobre D. Sebastião numa determinada época, não me diz nada mas já me diz imenso a questão de eclipsar o corpo de um espaço mas não me diz nada pegar em obras, mas gosto de poesia, gosto de pequenos “flash” que acho que podem ser muito profundos e ter uma dimensão enorme quando eles são retirados do seu contexto geral. Fernando Pessoa acho que ele é excelente nisso porque em poucas linhas eu acho que é capaz de ter uma profundidade… mas é por ai, não tenho nenhuma obra. Mas depois é assim, mais uma vez a questão da escrita é importantíssimo, mas é a minha escrita, não a dos outros. Se calhar tinha imensas coisas a ganhar mas é um outro tempo que eu talvez um dia vou encontrar esse tempo, mas neste momento não.
- Como verbalizas a ideia antes de a realizar?
É assim, isso agora é uma questão posta assim na mesa mas eu acho que estas coisas acontecem naturalmente, porque tu não pões a questão porque tas a viver. Tu crias uma cartografia na qual te apoias e na qual o teu corpo segue e depois dentro dessa cartografia eu costumo criar uma micro cartografia com sobe pontos onde eu me possa apoiar, agora existe momentos dentro desse espaço que eu não faço a mínima ideia do que é que vai acontecer, de como é que vai ser, se o movimento…sei o tom do momento total, sei para onde é que vou porque tenho essas micro referências mas há momentos que tem a ver com o que estou a fazer no momento exacto e o que eu recebo do facto de estar a fazer isso e de dar uma resposta no momento exacto. Depois eu acho que isso tem a ver com treino, com o facto de tares em estúdio, de conheceres, de criares situações, ideias, conceitos, que tu te coloques do lado mais cerebral, do lado mais físico, os dois vão dando respostas e vão encontrando mas não anoto tudo. O meu trabalho coreográfico não tem a ver, não é um trabalho linear no sentido de que eu faço exactamente a mesma coisa cada vez que faço a mesma… eu posso ter a mesma peça, eu sei como é que vou do a - b, com os micro pontos dentro desses pontos, com uma determinada intencionalidade, com determinado foco ou não, com um lado tecnológico ou unicamente físico e como é que tu estás presente nesse ponto e nesse espaço com esse elemento ou só esses elementos mas depois escuto muito o que está no momento. Por exemplo, questões de banda sonora normalmente não há uma banda sonora de minutos certos, há uma banda sonora que é um ambiente e no dia da “performance”, no dia do espectáculo, isto pode ser a solo ou com os outros, se eu levar um minuto a mais ou a menos, esse ambiente sonoro existe e acompanha se for esse o conceito ou não te acompanha mas não estou dependente do tempo da música. Depois, posso fazer coisas com a música mas é em termos de exercícios e de jogos muito evidentes, tanto para mim como para o público tu possas fazer uma coisa que tem mesmo a ver com a música, isto portanto falando em escrita mas a forma de eu me inscrever no espaço é mais fluida, não é rígida no ponto de tudo ser exactamente igual e correctamente como eu escrevi, e é por isso que eu não gosto de teatro, porque o texto… mas depois o teatro eu acho que fazendo o teatro tu podes permitir esse espaço.
Eu cheguei a experimentar, porque tu podes ter um texto e dentro do texto podes vivenciar diferentes formas de… agora depende do director que trabalhas e tudo mas em termos de dança interessa-me isso, interessa-me tu teres referências muito fortes e uma cartografia onde tu te apoias, com uma determinada tonalidade, com um determinado ambiente. Mas, cada dia que tu fazes a tua performance, é naquele dia, é diferente do outro. Não é diferente de ser diferente, porque tu sabes como tu construíste aquilo, depois é assim…para passar aquilo a outra pessoa só pode ser se trabalhando directamente com a pessoa que criou, não te podes apoiar ou mesmo se fores apoiar em algo videográfico mais uma vez vais ter de ter a fonte inicial presente. Há muito espaço para tu responderes no dia que estás a fazer a “performance” de uma forma sincera com aquilo que te foi proposto nesse dia, se calha muda-se uma direcção e isso eu acho super importante porque mantém o que é uma dança ou uma “performance” viva, porque se tiveres só a reproduzir… a mim não me interessa, mas também é interessante se calhar ver um trabalho que tem só essa componente física, mas o meu trabalho tem a ver mais com a presença do corpo, com o estado mais ligado a um ambiente do que propriamente ser uma coreografia só com movimento.
- Para que serve a escrita?
Se não tens aquele tipo de pessoa, aquele género de pessoa a fazer a mesma coisa tu não vais ter o mesmo tipo de resposta, mesmo tipo de reacção, aí o que é a escrita vai servir, vai servir de marcador, de memória mas depois cabe a pessoa que está a repor ou que repor o trabalho, quer reler esse trabalho coreográfico mais uma vez se redefinir a fonte original ou então fazer uma versão completamente distinta da ideia que tu tens que seria o original, mas depois já é outra coisa não é.
Há sempre um coreógrafo, a pessoa que te vai fazendo (…) 20:14, mais uma vez tem um olhar exterior, o corpo da outra pessoa é que vai escrevendo, escrevendo em movimento mas de repente tu vais meter uma pessoa gorda, uma pessoa velha ou uma pessoa nova a fazer exactamente a mesma coisa e a leitura é completamente diferente, portanto também há isso e tu aí não podes fazer nada Cristina, tu não podes fazer nada.