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resumo.

​"art are all arts"(Souriou 1969, p.2)

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Este trabalho é um estudo interdisciplinar sobre o movimento expresso nos escritos de um grupo de coreógrafos que trabalhou na Arte Total, entre 2012 e 2016, e as suas respectivas obras. Mas é, também, um estudo do movimento que surge quando a dança e a escrita se encontram com os meus alunos e bailarinos co-criadores, numa série de variações predominantemente práticas, de formas de sentir ou de formas de comunicar. É um acontecimento textual, onde um trabalho com duas áreas aparentemente não relacionadas – Dança e Escrita – se agencia como uma “linha quebrada que corre entre (os) dois” (Deleuze, 1990, p. 27) dando origem a conexões arbitrárias e à produção de textos. Nestas variações foram considerados os alunos e co-criadores, companheiros de trabalho dos coreógrafos e professores que, com as suas recusas e dificuldades em utilizar o recurso escrita como parte integrante dos seus processos criativos, me motivaram a procurar soluções e respostas.

 

 

O projecto cruza a obra artística de um conjunto de coreógrafos que trabalharam em Portugal e os seus processos criativos. Numa união interdisciplinar1 (Larrosa, 2003), apresenta-se como um estudo do movimento que surge quando a dança e a escrita se encontram. Pressupôs um trabalho laboratorial com estudantes de dança, desenvolvendo-se através de exercícios que testaram e exploraram os cruzamentos, aproximações e distanciamentos entre corpo que dança e escreve no espaço e o corpo que, num processo autoscópico, procurou escrever sobre esse processo. Trataram-se de acontecimentos textuais e coreográficos em que se mencionaram processos, bloqueios, hesitações e fluxos que ocorreram de forma programada ou arbitrária, levando os criadores a reflectirem e falarem, a partir de dentro, sobre o seu trabalho. De igual modo, coloquei-me neste processo, em que a escrita assume a performatividade do movimento, em múltiplos suportes, fazendo da metodologia desta escrita um objecto de criação.

 

 

Assim, o meu problema de pesquisa centrou-se na tentativa de entender a dificuldade, e muitas vezes recusa, por parte de alunos de dança e coreógrafos, em utilizar a escrita2 como parte integrante dos seus processos criativos. O projecto pretendeu investigar a escrita3 como parte do pensamento criativo da dança, accionado pela realização de textos em contextos site specific4, produzidos por um grupo de artistas e intérpretes co-criadores, na área da dança, e desenvolveu-se em torno de dois eixos centrais, a saber: por um lado, analisando e reflectindo sobre a forma como o fluxo da escrita pode interferir nos processos criativos e de formação em dança e, por outro, experienciar a dificuldade da tradução do acto de criação coreográfico para uma outra linguagem, permitindo ler nas camadas de um corpo phármakonizado (Derrida, 1972) a duplicidade de sentido, a ambiguidade e a possibilidade de gerar um corpo escrito em si mesmo, ou seja: “(...) em vez de uma coisa que se distingue de outra, imaginemos algo que se distingue - e, todavia, aquilo de que ele se distingue não se distingue dele” (Deleuze,1968, p.81) - o remédio e o veneno.

 

 

O estudo assume-se como uma engrenagem textual composta por três perspectivas de movimento, a que antecede uma introdução e acresce um epílogo. Na introdução mostro a forma metodológica do projecto, focada na evolução não paralela das ideias “segundo uma linha ou linhas que não estão nem em uma nem na outra, e que carregam um 'bloco' (...) ” (Deleuze, 1977, p. 30) de duas áreas de expressão distintas. É nesta parte que apresento a forma como fui relacionando o material recolhido e o material armazenado na minha memória com os respectivos contextos, com as minhas leituras e com a minha frustração em reconhecer em alguns autores a solução simples da minha pesquisa. É apresentada, também, a persistência do movimento no pensamento escrito de quem dança, e é definida a figura de movimento imóvel5 que encontrei no acto da escrita. Esta figura é o leitmotiv da minha escrita. Desta forma, a figura imóvel6 surge como recurso estilístico da minha escrita mas, também, como a voz que desejo ver implicada no meu processo de pesquisa em educação artística – porque “(...) ter uma ideia não é ideologia, é a prática”( Deleuze, 1990, p.53).

 

 

Posteriormente surgem três partes que se constituem num todo heterogéneo. A pesquisa é guiada pela análise do movimento dividida em três contributos de textos e coreografias particulares, entrevistas e dados recolhidos em observação participante e não participante. Através deste apor fui construindo três  perspectivas de movimento  :

 

1- movimento como transformação

Maria Ines Villasmil (ver mais)

2- interacção entre movimento e outras artes

Paulo Henrique (ver mais)

3- movimento como meio de pensar o corpo e os seus limites

Peter Michael Dietz (ver mais)

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Através desta reflexão são definidos novos contextos: o movimento e a sua relevância nos textos dos coreógrafos, bailarinos e alunos co-criadores. Contudo, este trabalho será sempre um estudo sobre o que não pode ser comparado e que só pode ser correspondido e, desta forma, as similitudes e diferenças, as concordâncias e as dissonâncias só fazem sentido se as tomarmos como motivos de mudança.

 

 

Na última e conclusiva parte, tudo será transportado para um objecto/coisa/máquina/experiência/ trabalho coreográfico onde tentarei finalizar a minha ideia de escrita dançada, onde tento traçar uma engrenagem de linhas (Deleuze, Parnet, 1977) com o grupo de alunos e bailarinos co-criadores que me acompanhou durante todo o processo.


 

 

1 Interdisciplinar surge para explicar que o projecto não trata da tradução, da paráfrase, do relato ou da explicação de um processo de trabalho com o corpo, mas sim de uma tentativa de pensar a escrita e os corpos que dançam, em simultâneo (Larrosa, 2003).

2 "(... )Há todas as espécies de estilos que se definem sempre pela recusa do escritor de se situar como sujeito na enunciação, e isso é a escrevência; nesse caso não há, evidentemente, texto." (Barthes, 1975, p. 31)

3 “(...)Não tenho ilusões: ainda estão cheios de um aparato universitário, são pesados, mas tento sacudir algo, fazer com que alguma coisa em mim se mexa, tratar a escrita como um fluxo, não como um código. (...)” ( Deleuze, 1990, p.15)

4 Site specific – a dance which is made for, and utilises the specific nature of, a particular place. Anthony Bowne, interview.( Dunlop, 1998, p.471)

5 A ideia foi do meu cão. Descreveu-me movimentos sempre deitado no mesmo tapete preto de pêlo de carneiro. Durante as suas descrições fui construindo movimentos e cenários impossíveis. Percebi o quanto é bom pensar que corro e que posso criar mil figuras de movimento imóvel.

6 Tenho o hábito de falar pelo meu cão. Dar-lhe voz dá-me prazer. É um encontro a dois. A voz é uma ponte que nos liga. Ou melhor, que me liga com o mundo. Encontrei nele um corpo que diz coisas. Na verdade sempre desconfiei que alguma coisa mais habitava dentro de mim, para além de mim. Este felpudo fala de dentro de mim, quase sempre quando me dirijo a muita gente e estou só. Fala de tudo. Liga assuntos e evoca memórias. Não se importa com procedimentos académicos. E dança. Dança muito com as palavras.

 

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