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2: interacção entre movimento e outras artes

Paulo Henrique

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performance e media arte

 

 

Os conceitos “performance” e “performatividade” têm penetrado várias áreas de conhecimento, criando um espaço conceptual partilhado pela arte e pela ciência, que se tem pactuado chamar Paradigma(s) da Performance. Constatamos a existência desta expansão num número crescente de publicações artísticas e científicas, bem como o  desdobramento de grupos de investigação e cursos na área dos Estudos Performativos.

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As práticas performativas artísticas contemporâneas constituem espaços privilegiados de trabalho interdisciplinar inovador, para a partilha e diálogo, bem como de resistência, contestação e tensão, que desmontam as fronteiras das performances estabelecidas pela história da arte moderna e criam novos paradigmas flexíveis, de práticas e discursos emergentes no mundo actual. No entanto, este interesse no estudo da interface entre performance e tecnologias reflecte a tendência contemporânea das artes performativas em interagir com outros sistemas e metodologias de produção, integrando-os na sua prática.

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O meu cão tem andado com muito pouca paciência para estas coisas dos artistas. Provavelmente porque está triste ou porque está a ficar velho. Mas, mesmo assim, este assunto da performance despertou-lhe algum interesse. E interrompeu a minha escrita:

 

- O que é a performance? - Perguntou ele.

E eu respondi, com a devida ressalva: 

-Primeiro tens que entender a possibilidade de haver muitos artistas que têm muitas explicações diferentes. Ok?

-Ok! - Respondeu ele.

-Bem, a minha explicação é muito simples. 

-Claro... só podia. - Comentou ele.

-Para mim performance é uma construção física e ... mental, emocional, teórica... não sei bem definir...é o que está dentro mas vem de fora...

-Sim. Como quando eu mijo no lado de dentro da porta porque sinto o cheiro dos meus amigos do lado de fora.

-Pode ser. Mas como estava a dizer, é uma construção que um artista faz num tempo e lugar específico, e em frente a um púbico.

-É daí que nasce um diálogo? O público e o artista fazem a peça em conjunto? ... ó que trabalheira. Eu gosto só de ver.

-Sim, sim. É isso. Ou deveria ser, acho eu! E podes só ver. Os teus olhos dizem muitas coisas quando não estás a ser parvo.

-Está bem ... mas isso tudo é como ir ao teatro. Porque é que chamas performance? - perguntou ele.

-Porque não é teatro. Teatro é outra coisa. A diferença é de realidades. No teatro uma faca não é uma faca, apesar de ser uma faca. 

-Estás a dizer que no que tu chamas performance uma faca é uma ferramenta. Corta de verdade?! 

-Sim. É isso. Mas também pode ser o contrário. - respondi.

-Tudo é relativo ao estar ali, em tempo real. - concluiu o meu cão. E, levantou-se ... direitinho à porta. 

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Esta abordagem tem-se expandido rapidamente e atraído muitos adeptos de diferentes sectores ao assumir alguns dos mais valorizados pressupostos epistemológicos contemporâneos, nomeadamente, a ideia de construção do conhecimento sustentada em práticas culturalmente situadas, o poder de mediação e transformação nos discursos  performativos, ou o carácter transdisciplinar do conhecimento, privilegiando e alargando os limites entre diferentes disciplinas. Valorizando a interligação dos saberes, diluindo as fronteiras estanques entre as artes, disciplinas e tecnologias e focando-se nas práticas e fazeres quotidianos e contemporâneos. 

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Segundo Jon McKenzie, no seu ensaio para uma teoria geral da performance, em “Perform or else: From discipline to performance” (2001), alerta-nos para a universalidade do uso do conceito “performance”, juntando áreas tão diferenciadas como as da performance tecnológica, performance artística e a performance organizacional. Esta abordagem inaugurou-se com o uso do conceito teatral de performance por investigadores das humanidades e ciências sociais na compreensão dos rituais sociais, interacções quotidianas e happenings da arte experimental, mas a sua aplicação rapidamente se expandiu na análise de demonstrações políticas, actos de resistência a normas de controlo social e cultural, o mundo do trabalho, o jogo, a sexualidade, ou ainda a prática e aplicação da tecnologia. 

 

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"Dança primeiro. Pensa depois. É da ordem natural das coisas".
Samuel Beckett 

 

 

A fim de examinar a contribuição específica de Paulo Henrique, o ponto de partida deste tópico é  as reflexões artísticas sobre as suas performances utilizando o corpo em conjugação com meios digitais. A conjugação com meios digitais, aqui, não é  apenas as interligações entre humanos e máquinas. Assim, é o trabalho que englobou essencialmente a noção do corpo considerado junto, artificial, e novo.

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O trabalho de Paulo Henrique34 assume que as novas tecnologias (media) influenciam o nosso corpo e sua percepção (não só no presente, mas também no passado), que o corpo e os seus direitos estão grosseiramente à disposição dos outros, e que a arte mídia é um lugar importante em que estas questões podem ser usadas numa variedade de actos de resistência35.

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UnNamed é o nome da peça  criada por Paulo Henrique em conjunto com João Martinho Moura36. É um projecto interactivo de performance onde a presença humana acciona vários espaços no tempo, no real e no virtual. Num lugar vazio o performer vai ocupando o espaço com a simples presença seguida de movimento, invocando espaços e memórias que se interligam entre imagens e performance. Os movimentos foram dialogando, numa fase posterior, e activaram os sensores existentes accionando um conjunto de sons e imagens gráficas projectadas no espaço. O performer integra essa linguagem visual e sonora no seu movimento, testando os limites físicos e emocionais que o separam a partir de um espaço imersivo sem raízes, e que se desenvolve através de marés repetitivas de acção e de memória. O espaço constrói-se gradualmente à medida de uma crescente incorporação da presença do performer como um vestígio, sem nome ou identidade, dentro de um campo virtual, interactivo, mas também real.

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Os dois artistas envolvidos nestes projectos possuem um conhecimento avançado da tecnologia e do trabalho com o corpo, e ambos apelam nos seus trabalhos à necessidade de uma reinvenção de conceitos relativos ao seu uso. João Martinho Moura tem um interesse especial na visualização em tempo real e artefactos interactivos digitais impulsionados pelo corpo. Na última década tem desenvolvido e criado artefactos interactivos e novas maneiras de representar o corpo em mídia digital. A colaboração no projeto UnNamed explorou as possibilidades artísticas oferecidas pelo performer, Paulo Henrique, em tempo real, e a interacção que se estabeleceu como artefacto digital de toda a narrativa cénica criada.

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A partir deste espaço inicial foi desenvolvido um processo criativo, suportado por ferramentas tecnológicas, com o objectivo de criar um espaço virtual complementar, um possível prolongamento artificial ( Brooks, 2010), que ao mesmo tempo serviu de motivação para a construção do espaço cénico.

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Analisei os movimentos do corpo de Paulo Henrique. No espaço, no tempo  e nas imagens que foram construídas nos seus trabalhos. A exploração deste meio e suporte de criação performativo, segundo Candy e Edmonds (2002) influencia e condiciona o controle sobre o processo  criativo.

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No caso de Paulo Henrique,  no âmbito das performances finais apresentadas ao público, os meios digitais foram, de facto, um factor que influenciou e interagiu com o público, levantando questões relacionadas com  linearidade temporal, origem e com a noção de identidade que, segundo Broadhurst (1999),  transformam a produção em reprodução. As peças criadas e os resultados dos processos de trabalho – dos quais resultaram outros trabalhos -  aproximam-se da proposta de Valerie Preston-Dunlop (1998), quando afirma que o espaço é um local amorfo e vazio, até serem lá colocados objectos e as pessoas entrarem. 

 

Assim, foi desenvolvido um trabalho cujo suporte tecnológico serviu de criação e motivação para a concretização de um espaço físico, através de uma criação conjunta de  espaços virtuais e físicos.  Os vídeos e imagens projectadas, de acordo com Crawford (2006), são um local de exploração da tecnologia incorporada na performance, ou seja: um meio que  transforma a nossa percepção do espaço cénico, e um médium que une os vocabulários coreográficos com os cinematográficos.

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No meio de centenas de fotografias, vídeos, arquivos digitais, blogs, sites... o meu cão apareceu com uma sede louca de falar.

- Os artistas participantes, os intérpretes e os alunos têm reforçado este assunto com uma variedade muito grande de outros aspectos e perspectivas. - afirmou o meu cão, esperando resposta a esta não pergunta.

-... diz lá quais?! - antecipei eu com outra pergunta.

- Ohh, por exemplo, acho que eles estão mais  interessados  nas imagens e fantasias que estão contidas nas artes mídia, ou pensar qual a influência das novas tecnologias na sua percepção do corpo.

-Tens razão, cão! Mas, fiquei com mais uma dúvida: Que tipo de estética os artistas estão a pretender elaborar?

-Pois, não sei. Talvez estejam só a analisar o significado (ou perigo)- disse ele entre dentes - para o corpo.

              

 

34 Paulo Henrique foi bolseiro da Fundação Gulbenkian e Fundação Luso-Americana e do Centro Nacional de Cultura para o Lee Strasberg Theatre Institute. De 1997 a 1999 estagiou com Trisha Brown Dance Company. Em Nova York, colaborou com Robert Flynt e Meredith Monk. Trabalhou / participou em projetos com Madalena Victorino, Margarida Bettencourt, Vera Mantero, Meg Stuart, Olga Mesa, Lidia Martinez, Bernardo Montet, David Zambrano, Lance Gries, Jack Shamblin, Eva Mueller, Bill Jacobson, Oswaldo Ruiz. Lecionou no Fórum Dança, CEM e Arte Total, e tem sido Leitor Convidado no Brighton University (postgraduate diploma in digital media arts). Atualmente vive e trabalha em Paris – França.

35 "A obra de arte não tem nada a ver com a comunicação. (...) existe uma afinidade fundamental entre a obra de arte e o ato de resistência "(Gilles Deleuze de sua palestra sobre o cinema" O que é o ato criativo "- 1987)

36 João Martinho Moura é artista e investigador em Arte Digital. Desenvolve a sua investigação nas áreas da arte digital, interfaces inteligentes, visualização de informação, música digital e estética computacional. Foca o seu trabalho artístico especialmente na interacção corporal com sistemas digitais. Os seus trabalhos estão incluídos nas curated selections: ARS ELECTRÓNICA (Linz, Áustria, 2012), da plataforma Processing (New York, USA, 2008), e da SLSA (Society for Literature, Science, and the Arts, Indiana, USA, 2013). É autor de publicações académicas sobre Arte Digital, Interfaces Humano-Computador e Visualização de Informação. É membro fundador da ARTECH International Association.http://jmartinho.net/about/

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