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epílogo.

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Método:( inspirado no método de trabalho de Kirstin Van Loon & Arwen Wilder (2014) )

 

O processo é o contrário de um processo somático. Não se ouve a respiração. Em contraste observamos a rapidez do sopro da mente e tentamos forçar o corpo a imitar esse frenesim.

Com um temporizador. BEEP: com os olhos focados dentro de nós, imagino o meu corpo aqui neste ponto, neste espaço, e imagino o que ele faz durante 10 segundos. BEEP, BEEP: em seguida, fazer o que aconteceu na minha cabeça durante 10 segundos, BEEP.BEEP: escrevo o que fiz, BEEP,BEEP

 

 

Escrita e intencionalidade:

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Depois de 10 segundos na cabeça e 10 segundos no corpo, 10 segundos a escrever.

Às vezes usamos escrita automática, outras vezes tentamos descrever o que se passou. No fim de uma semana e centenas destas mini danças fizemos uma colecta de todos os escritos.

Editamos todos os escritos seleccionando todos as frases em que nos mencionávamos uns aos outros. Combinamos a selecção e colocamos em sequência de ocorrência tentando lembrar os detalhes da acção e a que  palavras se referiam. Ensaiei essa narrativa. A ideia foi encontrar novas relações.   

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Isto tornou-se no meu texto.

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Trabalho para pesquisa de movimento:

O texto que surgiu  provém de uma semana de improvisação. Escrevemos, e isso tornou-se num facto e numa direcção. As memórias foram sendo apagadas e juntados assuntos com novas interpretações. Após praticar algum tempo as palavras tornam-se mais pesadas do que as memórias dessas descrições. Mesmo o que torna a dança tangível. Os adereços e guarda roupa, o som e o título foram preparados com dados de referências efémeras. Foi valorizada a adesão ao texto escrito e à sua pontuação, enquanto me desafiei a objectivar pequenas ideias, exigindo improvisação e expressão. Foi tudo improvisação e estabelecido. A dança emergiu como sendo a sua própria autora e directora, e ao mesmo tempo insisti na possibilidade de a definir.Tudo é válido e confuso.

Estabeleci uma ideia (porque me perseguia e me fazia acordar durante a noite) . Essa ideia foi sendo alimentada pelos textos que li e que me fizeram pensar sobre ela e que me deram a conhecer o que dela se sabe e do que dela se pensa.  Assim a fui alimentando. Uma IDEIA que se transformou num PROBLEMA. Ou, um problema que se transformou numa ideia.

A ideia foi passada à escrita e a escrita foi tomando conta da ideia e do pensamento que fui tendo dela.  Partilhei-a com um grupo de bailarinos. Expus o problema que procuro transformar numa ideia de coreografia que, por sua vez, quero ver sem palavras. Um texto sem palavras.

Iniciei com a pesquisa de movimentos e a pesquisa de palavras de uma forma em que o espaço dado ao pensamento fosse tão curto que se tornasse quase residual. O pensamento da escrita era o que tinha sido pensado de uma forma imóvel e, posteriormente, descrito num movimento que, ainda depois, era transformado em palavras.

A primeira fase foi olhar para tudo o que me dizia respeito. Os meus livros, os filmes que  estão sempre a passar dentro de mim, as palavras que me aparecem como luz, a música, o espaço e o que ele nos faz segurar, os movimentos, as notícias do mundo e as notícias da história, e as palavras que já tinham sido juntas noutras relações.

Juntei pessoas numa sala. Propus o método de trabalho. Durante muitas horas foi produzida informação que, posteriormente foi colectada.  Um monte de palavras, junções de palavras, frases soltas, frases sem sentido, fases com sentido. Tudo junto.

A este material, juntei o que tinha colectado na minha busca de esclarecer as insónias. Os livros, os autores,os filmes, as imagens, os sons, os espaços e o tempo que ficava parada a olhar a linha que separa o mar da montanha.

A partir deste material entrei na fase de verdadeiro trabalho.  Seleccionar, fazer escolhas, deitar fora e guardar, re-combinando materiais de forma a que os pudesse partilhar com alguém. Ficaram pequenos títulos que funcionaram como temas  a desenvolver. Uns no trabalho coreográfico e outros no trabalho da escrita.

Aqui entendi, de facto, que a dança e a escrita são duas coisas que não são possíveis em simultâneo. Mas também entendi que podem ser justapostas. E que algumas vezes podem ter pontos que coincidem ou que se juntam de forma agradável. Como as palavras!

Após a selecção agrupei as ideias. Trabalhei-as separadamente. Cada uma poderia ter sido um outro trabalho. Fiz uma nova colecção de sacos de ideias. Vi-os todos muitas vezes e iniciei a fase de limpeza. Retirar tudo o que estivesse a mais , deitar novamente fora. Voltei a olhar para o material, agora quase vazio.   Era necessário organizar a ordem como queria comunicar a minha ideia.

Aqui, outras questões surgiriam. Já não estava a criar, já não era para mim, nem tampouco era já bem a ideia ou o problema inicial que era importante revelar.

Os outros tomaram conta do processo.


 

41 Construo cenários de filme com personagens reais que comigo contracenam. Tudo se passa do outro lado do mundo. Existe uma auto estrada que cruza um deserto imenso. Terra e mais terra. Conduzo um carro cor de pássaro. Ouço os Nocturnos de Chopin de olhos fechados. O dia é longo e o mar espera-me no final da viagem. Um grande plano surge na minha cabeça. Se parar agora, entre o sétimo e o décimo quarto nocturno, a minha paixão por Buster Keaton talvez se concretize. Paro. Abro a porta do carro, pouso os pés na terra lentamente. Deslizo até ao outro lado da estrada. Terra e mais terra. Deito-me e espero. O plano aperta. Fecho os olhos. Uma voz sussurra no meu ouvido. - Apaixonas-te demasiado. Por tudo e por nada.

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Construo cenários de filme com personagens reais que comigo contracenam. Tudo se passa do outro lado do mundo. Existe uma auto estrada que cruza um deserto imenso. Terra e mais terra. Conduzo um carro cor de pássaro. Ouço os Nocturnos de Chopin de olhos fechados. O dia é longo e o mar espera-me no final da viagem. Um grande plano surge na minha cabeça. Se parar agora, entre o sétimo e o décimo quarto nocturno, a minha paixão por Buster Keaton talvez se concretize.  Paro. Abro a porta do carro, pouso os pés na terra lentamente. Deslizo até ao outro lado da estrada.  Terra  e mais terra. Deito-me e espero. O plano aperta. Fecho os olhos. Uma voz  sussurra no meu ouvido.  - Apaixonas-te demasiado. Por tudo e por nada.

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